Da janela
... E eu espiava a vida pela janela, a
moça que descera do ônibus caminhava devagar, como quem não quer chegar à lugar
algum. Com o cigarro aceso na mão ela olhava ora para o asfalto ora para o céu.
O âmago de sua alma era só angústia, uma alma louca procurando a
sanidade. Ela tragou o cigarro, a ponta do mesmo ficou mais acesa, jogou o
cigarro pela metade e se sentou na calçada retirando do bolso uma caixinha, a
qual estava com dois cigarros, escolheu um, não sei se havia diferença entre
eles, são todos iguais. Olhou novamente para o céu e reparou nas estrelas e nas
nuvens que de quando em vez escondia a lua e outrora formavam figuras
estranhas...Ela, a moça...Sorria e então olhava para o chão de concreto duro,
frio e áspero, o concreto estava mais próximo de sua realidade, o
concreto...Concreto... Concreto. O concreto parecia com a sua vida: incrustada,
solidificada. Parecia que o sangue não mais circulava em suas veias e artérias.
A vida a esculpiu assim, como uma pedra, fez-se desta uma forma humana.
Ela atirou para longe seu cigarro que
estava novamente pela metade, sua mão angustiada batia na testa como se
dissesse: para que diabos inalo esta fumaça que disfarça minha angústia?
Queria deixar de ser pedra, afinal ninguém é desta forma, pode estar dessa
forma. A moça atirou seus cabelos para trás, apoiou as duas mãos na
calçada, levantou a cabeça deixando cair a nuca, arquejou e balbuciou alguma
coisa.
Não tinha namorados, não mais um emprego,
não estudava, não por falta de vontade, mas porque não havia oportunidade. Não
tinha amigos, apenas os descartáveis, sua família talvez fosse as estrelas, distantes,
entretanto tamanha era em quantidade e brilho. A moça não tinha casa, não tinha
vaidade e nem perfume, não tinha dinheiro, não tinha um filho da puta
desgraçado que lhe amasse, mas tinha concupiscência, um desejo infinito... Só
desejo...Desejo...Desejo... desejo de sentir a vida como Deus a sonhou. Queria
sentir, como um deus da índia, o universo todo em sua garganta. Nunca sentiu,
sentiu que sua vida estava desgraçada, não que era, mas estava. Seu corpo era
uma moenda de almas. Ela queria sumir da cidade e se refugiar em um mocambo na
floresta. Queria gritar, voar, desaparecer e aparecer como mágica, soprar o
sol, cair na lua, na rua, subir pela chuva e chegar até o céu e de lá de cima
cuspir em toda a humanidade, mas nada disso poderia, mas queria...
Queria...Queria...Queria... Desde pequena compreendia que não podia, mas agora
queria intensamente, queria...
Ela se levantou afoita e se dirigiu ao
meio da rua e um grito audaz saiu de sua garganta vazia, um grito que parecia
chegar ao universo, de alguma forma chegaria. A moça se esqueceu que nem mesmo
a rua era dela e um caminhão velozmente a atirou de volta à calçada. Seu sangue
que escorria de quase todo o corpo fluía pelas frestas do concreto, o qual se
tornava mais humano.
Fechei a janela.
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